Governo interino dá esperança à presidente suspensa

Romero Jucá - Fábio Rodrigues Pozzebom

O Diário Oficial da União publica hoje (24 de maio) decreto com a exoneração do ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Romero Jucá. Ontem, Jucá (PMDB-RR) anunciou que iria se licenciar do cargo até o Ministério Público Federal se manifestar sobre as denúncias contra ele. Antes disso, Jucá negou que tenha tentado obstruir as investigações da Operação Lava-Jato e chegou a dizer que não iria pedir afastamento do cargo, além de afirmar que não temia ser investigado.

Mais uma bola fora do governo interino da República. A primeira foi a extinção do Ministério da Cultura (Minc).

A reação dos torcedores (Oops!) é o mais interessante. Aqueles que há uma semana arrasavam com a imprensa (mais chamada de mídia hoje em dia), o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal ontem  estavam felizes com o trabalho dessas instituições. Na realidade, essa turma só acha ruim quando os alvos são políticos de sua adoração. Quando os alvos são adversários, eventuais ou crônicos, o trabalho é elogiado.

Torcedores políticos têm o raciocínio mais fechado do que o de torcedores de times de futebol. Esses veem os defeitos dos seus times, principalmente quando são derrotados. Os torcedores políticos jamais veem ou verão qualquer defeito nos seus ídolos partidários. E nunca farão elogios a ações positivas de seus adversários.

Por que essa conversa toda?

Para chegarmos a Jucá e os acontecimentos de domingo para cá. Jucá foi homem forte e de confiança de Lula e Dilma. Em termos de nomes e integrantes de governo não houve ruptura. 

Vamos falar de Jucá do início (utilizando texto da Folha de SP), quando Romerinho era um estudante aplicado de estatística no curso de economia da Universidade Católica de Pernambuco em meados dos anos 70.

O professor José Jorge decidiu apostar no aluno e o levou para trabalhar com ele na Secretaria de Habitação do governo de Moura Cavalcanti, em Pernambuco. “Um professor só chama os bons. Ele era um dos melhores. Estudioso, dinâmico”, conta José Jorge.

Quando o patrão tornou-se secretário de Educação do governo de Marco Maciel, Romerinho virou seu chefe de gabinete. De Pernambuco para Brasília, foi rápido. No começo dos anos 80, José Jorge elegeu-se deputado federal e Romerinho virou Romero Jucá.

O resto é sabido: Jucá foi presidente da Funai, governador de Roraima nomeado por José Sarney, senador e líder no Senado dos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Ao mesmo tempo, de lá para cá, se viu citado em acusações embaraçosas, de uso de fazendas fantasmas como garantia de empréstimo a recebimento de propinas, todas sempre negadas por ele.

José Jorge, que fez carreira no antigo PFL, e Jucá se reencontraram como colegas de Senado. “Às vezes o aluno supera o mestre. Ninguém descobre ninguém. O talento aparece”, diz o ex-senador, que se aposentou em 2014 como ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).

Natural de Recife, casado pela terceira vez, pai de dois filhos, Jucá, 61, foi tucano e hoje está no PMDB de Roraima. É senador desde 1994. Carrega a fama de ser onipresente no Congresso e de ter uma atração pelo governismo, não importa o inquilino do Palácio do Planalto.

Tem habilidade política, com trânsito entre governo e oposição, facilidade em rabiscar e memorizar números complicados e chatos do Orçamento e disponibilidade para falar com jornalistas a qualquer hora.

Na madrugada da votação do impeachment no plenário, Jucá passou horas no cafezinho à espera de discursar. Sentado à mesa com a reportagem da Folha, rabiscou números do rombo na Previdência num guardanapo e falou do roteiro para tirá-la do buraco. Parecia saber tudo de cabeça. E nem havia como confrontá-lo: ele picotou o papel logo depois.

Jucá é alvo de inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) em razão de investigações das operações Lava-Jato e Zelotes.

Em delações premiadas da Lava-Jato, empreiteiros da UTC e da Andrade Gutierrez, por exemplo, relataram que Jucá recebeu propina de desvios do setor elétrico. Na Zelotes, o ex-servidor da Receita Federal João Gruginski contou que participou de reunião na qual o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS, teria falado sobre o pagamento a Jucá, ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao ex-senador – hoje preso pela Lava-Jato – Gim Argello (PTB-DF).

Uma anotação de APS indica que, de R$ 45 milhões, R$ 15 milhões seriam destinados a “RJ” (Romero Jucá). O dinheiro teria ligação com esquema de vendas de medidas provisórias. Jucá nega as acusações, e o próprio APS afirmou que o pagamento aos senadores era um boato.

Jucá já protagonizou escândalos no passado, como escrito acima. O episódio das fazendas fantasmas dadas, nos anos 90, como garantia de empréstimo milionário do Basa (Banco da Amazônia), é sempre lembrado.

O caso o desgastou na breve passagem como ministro da Previdência do governo Lula em 2005. Três anos depois, a Procuradoria-Geral da República apontou irregularidades, mas pediu arquivamento por causa da prescrição.

A edição de 23 de maio do jornal Folha de S.Paulo divulgou trechos de gravações obtidas pelo jornal que mostram conversas entre Romero Jucá e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Nas gravações, o ministro sugere que seria preciso mudar o governo para “estancar” uma “sangria”. Segundo as informações do jornal, o ministro estaria se referindo à Lava-Jato, que investiga fraudes e irregularidades em contratos da Petrobras.

A exemplo do que ocorreu com Eduardo Cunha, imediatamente Romero Jucá ganhou a unanimidade negativa do país. No Senado, o PV – por meio de seu líder – Álvaro Dias, cobrou a demissão do ministro e anunciou independência em relação ao governo. Na posição de independência, Álvaro Dias disse que o PV torce para que o governo dê certo, apoiando as medidas boas, mas vai exercer sua atribuição de fiscalização.

O que gera na opinião pública é que o governo interino de Michel Temer passou da expectativa ao estágio de frustração em pouquíssimo tempo. Com chance quase zero de errar, o presidente interino e sua equipe cometeram dois erros imensos em termos de busca da credibilidade. O episódio do Minc atraiu contra si o barulho do meio acadêmico e artistas, o que fez Temer recuar e recriar o Ministério da Cultura. Desgaste desnecessário.

Ainda nas cordas, se recuperando das pancadas, o governo volta à lona com o episódio Jucá. Resta saber se vai se levantar.

Imaginava-se que o governo iria focar em duas tarefas: restaurar a normalidade econômica e atrair a confiança de todos os setores. Para conquistar os investidores, o governo transitório pede ao Congresso que lhe entregue uma meta fiscal realista para 2016 — o déficit de R$ 170,5 milhões deixado pelo governo anterior — e racionaliza seus gastos.

Mas, agora com a credibilidade abalada, a tendência é que perca apoio no Congresso para aprovar suas medidas.

Outra coisa que aumenta a desconfiança em Temer: ele diz apoiar a operação Lava-Jato, mas permanece ligado ao grupo do PMDB que atuou junto ao grupo do PT que atacou os cofres das empresas estatais.

O áudio que desencadeou mais essa crise política sugere que o impeachment de Dilma e a ascensão de Temer criariam um ambiente propício à interrupção da Lava-Jato.

Jucá entregou na bandeja toda a argumentação que a oposição queria, mas em vez de demiti-lo na primeira hora, Temer deu tempo a Jucá para explicar o inexplicável. As alegações não colaram. Mas a preocupação do Planalto era arrumar uma saída honrosa para Jucá, não uma satisfação adequada à opinião pública. Horas depois de informar que não deixaria o ministério, Jucá anunciou que pediria licença de um cargo para o qual jamais deveria ter sido nomeado.

Combinado o desfecho, Temer soltou uma nota. Nela, deixou a porta do governo entreaberta para o retorno de Jucá: o afastamento vai durar “até que sejam esclarecidas as informações divulgadas pela imprensa”, anotou. Além de não recriminar, elogiou Jucá pelo “trabalho competente e a dedicação…”

Na semana passada, Temer já havia tratado com inusitado respeito uma demanda nada respeitosa do amigo Eduardo Cunha. Rendera-se à vontade do presidente afastado da Câmara, réu na Lava-Jato, nomeando o preferido dele para o posto de líder do governo: o deputado André Moura, outro investigado da Lava-Jato, réu em três ações penais no STF, uma delas por tentativa de homicídio.

Em apenas 12 dias, a gestão de Michel Temer virou um futuro sombrio. Para quem não podia errar, já são erros demais. Afinal, Dilma está apenas suspensa da Presidência. Tantos erros do interino podem mudar os votos dos senadores e a presidente suspensa retornar em menos de 180 dias. Sabemos como opiniões de parlamentares são voláteis.

As esperanças de Dilma aumentaram. E de Lula ainda mais. A Nação fica entre um governo que se via sem saída e outro governo sem perspectiva. E com torcedores políticos que apontam ou defendem seus “bandidos” seletivamente.

Clique aqui e veja vídeo da Globo


3 comentários sobre “Governo interino dá esperança à presidente suspensa

  1. Outro aspecto das gravações foi deixar claro que mesmo sendo o terror de todos os políticos envolvidos, a Lava-Jato atua de forma se-le-ti-va. Belo texto, Bomfa

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  2. Pingback: Falando na Lata
  3. Grande tio,

    Parabéns pelo belo texto. Irei compartilhar!

    que fase de nosso governo hein?! O governo anterior fez com que a “chance de erros” fosse mínima, e esse, provisório, em um curtou tempo extrapolou e muito essa barreira. Ainda espero por melhoras em nosso cenário político, mas, trazendo a analogia com torcedor de futebol que o senhor fez , me recuso ir ao estádio rs.

    abraços

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