Cara, cadê o Vivaldo?

No início da noite de segunda-feira, 16, Fernando Zamilute manda mensagem com o link do blog do Rodrigo Ferraz falando da morte de um cantor conquistense. Ele foi surpreendido pela morte quando se preparava para se apresentar nas festividades do Natal Conquista de Luz dentro da programação feita pela prefeitura conquistense. Depois, Valterci Freire, o nosso Valter, colaborador aqui, do blog, consternado enviou o texto que é publicado mais abaixo. Lembro-me (eu ainda chegando na adolescência) de Vivaldo pelo sucesso que fazia Os Trepidantes, grupo musical no qual ele era uma das estrelas. “Escrevi o texto abaixo quando fiquei sem contato com ele. Foi amigo de infância e adolescência”, afirma Valter.

Vivaldo Bonfim

Cara, cadê o Vivaldo?

Acordes fortes, voz forte, lágrimas e então, canta

“Ave negra de Capinan, você subiu e uma mulher ficou só…”.

Compôs e cantou uma música para Hendrix. Mas dias depois, naquele escroto hotel do Texas, num  tapete imundo, heroinamente Janis se eternizou.

Aquele menino os amava plenamente, como qualquer amante ama a morte, a vida, a arte.

Cara, cadê o Vivaldo?

Em qual rua anda? Em qual rua aprende? Em qual rua derrama sua angústia, sua pegada incompleta?

Na esquina da Travessa dos Artistas falamos do Godard. “A chinesa” e “Week end”. Provocador, polêmico, genial, foda, inovador, revolucionário, hermético. Como não amar o Godard? Mas há pouco tempo revi e achei um saco! Mas éramos ingênuos, felizes ou à procura do não-sei-o-quê.

Trepidantes encantam. Trepidantes são fab four. São mutantes. O baixo, o cabelo dominado, a menina bonita, a menina desejada, a feia boa de dança. Música é perfume.

Soldado 144, do Tiro de Guerra 06-120, turma de 1970…. Que porra era aquilo?

Dalmar canta Bob Dylan.

Vivaldo toca. Eu vou até a porta do Terezão. Gal, em cartaz, apresenta “Fa-tal”. Cabelos, hair, descoberta, desbunde.

Cara, cadê o Vivaldo?

Pergunto por onde anda e Dona Gió respira, ri e diz que está cantando cada dia melhor, que é um talento escondido, talento explodido, que está cada dia mais bonito. E eu não o encontrei. Voltei.

Uma plantinha numa bacia, num quarto, numa cidade inconquistada.

Saí do Cineclube, andei pelo Castelo, o cigarrinho me fez ver o fantasma do Manuel Bandeira, morador daquele bairro. Conversamos, rimos e viajamos nos seus poemas. Brilho, viagens, David Bowie.

O babaca atira no Lennon. Eu chorei. Vivaldo chorou.

De férias, na rua do Espinheiro, encontro Mirinha. Ela fala do Caetano e Januária. Apresento minha doce mulher, grávida do menino flamenguista.

Cara, cadê o Vivaldo? Está onde tem acorde dissonante, onde tem o solo de jazz, um scat ou um rock. Eric Clapton encanta a Praça da Apoteose e eu me lembro do Vivaldo. Como me lembro nas muitas platéias em que estive quando a música, o momento, o significado do som lascou minhas entranhas.

Os Trepidantes – crédito: Blog do Anderson

Fiquei cara a cara com B B King.  Emudeci, curvei-me ante o deus da guitarra e chorei. Como convém aos deuses.

Cara, cadê o Vivaldo?

Bem, ele está por aí. Com cabelo ou sem cabelo. Está onde tem alguém para tocar, uma voz para cantar, um sonho guardado, aquele poema incompleto, aquela inspiração, aquela lembrança. Ou nada disso.

Valter Freire

Rio, 21/04/18, ouvindo “The house of rising Sun”.

Consulte os links:

Blog do Rodrigo Ferraz

Blog do Anderson


15 comentários sobre “Cara, cadê o Vivaldo?

  1. Conheci o Vivaldo. Só agora, lendo o blog, é que soube o que aconteceu. Parabéns ao Valter Freire e parabéns ao Blog do Brown por manterem a memória viva do Vivaldo e outras pessoas.

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  2. Vou virar leitor assíduo desse blog. Me falaram das crônicas, comecei ler e encontrei essa que fala do tio de um amigo meu. Cara, cadê o Vivaldo? Muito boa mesmo, fala de uma Conquista mais tranquila e com a juventude da época voltada para o conhecimento cultural. Gostei muito.

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  3. Cara, esse blog é muito bom! Crônicas, livros, informações, gostei muito. E, em particular, adorei essa crônica de Valter Freire. Muito bem escrita e revelando uma amizade bonita e sincera.

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  4. Ótima crônica. Fiquei sentida de saber que o Vivaldo não está mais nesse mundo. Paz e luz para ele na outra dimensão. Igual a você, Valter, eu também me lembro muito bem desse período aí em Conquista. Hoje, em São Paulo, rejuvenesço minha velhice com as lembranças boas do tempo de juventude.

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  5. Duas perdas lastimaveis em Conquista ; VIVALDO PESSOA DO BEM E DONA GLICERIA ( MAE DOS QUERIDOS AMIGOS E COLEGAS DA REC CARLOS DIAS E ALAN ROBERTO ) É A VIDA UM DIA TODOS SE ENCONTRARÃO

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    1. Sim, Teta (como chamávamos o hoje Doutor Lourival) nos tempos da REC, no Pelourinho, em Salvador. Sim, duas tristes perdas. Meus pêsames para Carlos Dias e Alan Roberto.

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  6. Cara, belo texto! Muito interessante homenagem ao amigo que acabou de deixar esse mundo. Parabéns, Valter.

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    1. Valeu, Kátia! Qualquer homenagem aos que fizeram a história de Conquista é importante. Vivo longe desta cidade, mas ela é fonte de inspiração. Abraço.

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  7. Já ouvi muitas histórias de grupos musicais da Conquista de antigamente. Os Trepidantes sempre é citado como um dos mais importantes. E agora, com esse excelente post, lendo um bonito e emocionante texto do Valter, entendo ainda mais a importância desses músicos quem fizeram a alegria de muitos jovens.

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    1. Obrigado pelo elogio, Maria Vitória. Vivaldo merece toda homenagem. É mais um filho talentoso que Conquista colocou na vida. Sim, nossa juventude foi na época sombria do país, mas fomos muito felizes e criativos. Abraço.

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