Edivaldo Boaventura e Otavio Frias Filho, homens de realização

Algumas críticas ao blog foram feitas – sempre com boa intenção, claro – por quase sempre falar da morte. Mas, pergunto-me, como não falar de algo definido desde o nosso nascimento? E que ronda todo ser vivo desde uma gripe que se demora a ir embora até acidentes e coisas piores? Também como não registrar partida de entes queridos, de seres, em geral, que marcaram sua trajetória nesse maltratado planeta? 
Recorro a poetas para arrefecer as críticas.
Mário Quintana, em “Inscrição para um portão de cemitério”:
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce – uma estrela,
Quando se morre – uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
“Ponham-me a cruz no princípio…
E a luz da estrela no fim!”
Vinícius de Moraes em “Poética”
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando
Fernando Pessoa (por seu heterônimo Alberto Caeiro) in “Poemas Inconjuntos” 
Se Depois de Eu Morrer, Quiserem Escrever a Minha Biografia
Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, 
Não há nada mais simples 
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte. 
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus. 
Sou fácil de definir. 
Vi como um danado. 
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma. 
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. 
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. 
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras; 
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. 
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais. 
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. 
Fechei os olhos e dormi. 
Além disso, fui o único poeta da Natureza. 
E Dylan Thomas em “E a Morte perderá o seu Domínio“, que você pode ler nesse blog, em outras postagens.
Recorro aos poetas e homenageio Edivaldo Boaventura (diretor de Redação de A TARDE num período em que trabalhei no jornal) e Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha de S. Paulo, que acompanhei por seus artigos e gestão do jornal paulista. São figuras que fazem falta, com sua ausência, a esse rascunho de civilização. Pessoas que se aprofundaram nas letras, no conhecimento, nas experiências pedagógicas e, sobretudo, realizaram. Foram importantes para tornar o viver mais saudável.
Veja os textos publicados sobre a morte de Edivaldo Boaventura, em 22 de agosto de 2018, e de Otavio Frias Filho, em 21 de agosto.
O professor Edivaldo Boaventura foi secretário de Estado, criou a UNEB, dirigiu o jornal A TARDE e escreveu mais de 70 livros, entre outras realizações – foto valterio.com.br

Morreu na madrugada desta quarta-feira (22), aos 84 anos, o professor Edivaldo Boaventura. Ele não resistiu a complicações de uma cirurgia cardíaca

Nascido em 10 de dezembro de 1933, no município de Feira de Santana, o professor Edivaldo Boaventura se destacou por ter sido secretário de Estado, ser um dos fundadores da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, ter criado a Uneb, comandado o jornal A TARDE como diretor-geral, ser um consagrado escritor e professor da Universidade Federal da Bahia. Edivaldo era pai do ator e cantor baiano Daniel Boaventura.

O educador era bacharel em Direito (graduado em 1959) e Ciências Sociais (1969) pela Universidade Federal da Bahia. Tornou-se doutor em Direito e obteve a Docência Livre em Economia Política (1964), pela mesma instituição, e cursou o Instituto Internacional de Planificação de Educação/UNESCO (1971-2), em Paris. Era mestre (1980) e PhD (1981) em Educação pela The Pennsylvania State University.

Em 1968, a convite do então reitor da UFBA, Roberto Santos, implantou a Assessoria de Planejamento encarregada da reforma universitária, quando publicou “Universidade em mudança”.

Como professor adjunto, transferiu-se da Escola de Administração para a Faculdade de Educação da UFBA, da qual foi um dos fundadores, e entrou para o Conselho Estadual de Educação da Bahia (1968-1983, 1991-1996), presidindo-o de 1976 a 1978.

Sua trajetória no Jornal A TARDE começou em 1996, quando assumiu o cargo de diretor-geral. Durante a gestão, Edivaldo Boaventura deu especial atenção ao projeto A TARDE Educação, inserindo o jornal nas escolas do interior da Bahia.

Ele é autor de 40 obras literárias, entre elas “Castro Alves: um parque para o poeta”, “Jorge Calmon – o jornalista” e “A construção da Universidade baiana: origens, missões e afrodescendência”.

Em 2016, ele foi eleito membro da Academia de Ciências de Lisboa (Portugal).

Foi secretário de Educação e Cultura da Bahia por duas vezes, a primeira de 1970 a 1971 e a outra entre os anos de 1983 e 1987, quando criou a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e foi reitor da instituição.

Professor emérito da UFBA, era membro das academias de Letras e de Ciências no estado e também dos Institutos Histórico e Geográfico Brasileiro e Geográfico e Histórico da Bahia. Entre as obras publicadas, estão “A educação brasileira e o direito (1997)”, “O Parque Estadual de Canudos (1997)” e “UFBA: trajetória de uma universidade: 1946-1996” (1999).

Foi condecorado pelo governo de Portugal em junho de 2018 com a Ordem da Instrução Pública no grau de Comendador, pelos serviços prestados à educação e cultura nos dois países de língua portuguesa.

O sepultamento do professor Edivaldo Boaventura ocorreu nesta quinta-feira (23 de agosto), no cemitério Jardim da Saudade, em Salvador.

O jornalista, ensaísta e dramaturgo Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha – foto Raquel Cunha/Folhapress

 

Morre aos 61 Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha

Vítima de câncer, o jornalista, dramaturgo e ensaísta comandou a Folha durante 34 anos e modernizou a imprensa brasileira

Morreu nesta terça-feira aos 61 anos Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha e diretor editorial do Grupo Folha. Mentor do Projeto Folha, que modernizou o jornalismo brasileiro na década de 1980, ele foi vítima de um câncer originado no pâncreas.

À frente do jornal por 34 anos, Otavio foi diagnosticado com a doença em setembro de 2017. Morreu às 3h20 desta terça-feira no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. O velório ocorrerá a partir das 11h30, e a cerimônia de cremação, às 13h30, ambos no cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra.

Deixa Fernanda Diamant, editora da revista literária Quatro Cinco Um, com quem teve as filhas Miranda e Emilia, e os irmãos Maria Helena, médica, Luiz, presidente do Grupo Folha, e Maria Cristina, editora da coluna Mercado Aberto.

Sob a direção de Otavio, a Folha se tornou o maior e mais influente jornal do Brasil, líder em circulação e em audiência, posições que veio mantendo desde então. O veículo consolidou-se como uma referência no jornalismo apartidário, pluralista, crítico e independente.

Esses princípios foram recentemente atualizados na versão de 2018 do “Manual da Redação”, cuja confecção Otavio liderou. Também nortearam as iniciativas de autocontrole de sua produção jornalística: em 1989 a Folha se tornou o primeiro jornal da América Latina a ter um ombudsman, e em 1991 foi pioneiro no país em reunir correções na seção fixa Erramos.

Em texto de 25 de fevereiro último, intitulado “Jornalismo, um mal necessário”, na coluna mensal que mantinha na Ilustríssima, escreveu: “O jornalismo, apesar de suas severas limitações, é uma forma legítima de conhecimento sobre o nível mais imediato da realidade. Para afirmar sua autonomia, precisa cultivar valores, métodos e regras próprios”.

Antes mesmo de assumir o principal cargo do jornal, o que aconteceria em maio de 1984, Otavio participou de momentos cruciais no processo que desaguaria no Projeto Editorial da Folha.

Em sua última versão, de 2017, o texto preconiza o jornalismo profissional como antídoto para a notícia falsa e a intolerância. “Caberá ao conjunto dos veículos semelhantes à Folha enfatizar sua condição de praça pública, em que se contrapõem os pontos de vista mais variados e onde o diálogo em torno das diferenças é permanente.”

Em 1974, aos 17 anos, sob a gestão de seu pai, Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), depois publisher da Folha, participou da decisão de abrir as páginas do jornal para diferentes correntes de opinião, incluindo os opositores da ditadura militar.

Essa vocação para a abertura viria a se cristalizar na campanha pelas Diretas Já, em 1983, da qual o jornal foi protagonista na imprensa brasileira. Em artigo do último dia 17 de junho para a mesma coluna da Ilustríssima, reafirmou seu otimismo em relação à democracia no Brasil.

“Foi na trabalhosa maturação dessa ‘abertura’ que se consolidou, nas camadas politizadas, a profunda consciência democrática, expressa num pacto não escrito de não violência, hoje posta sob desafio”, escreveu então, a propósito de clamores, da parte de grupos radicais, por uma nova intervenção militar.

“Há um momento em que a trama das relações econômicas e sociais se torna complexa demais para caber na lógica simplória da caserna, há um ponto em que a democracia passa a ser o único sistema capaz de regular uma sociedade atravessada por incontáveis interesses contraditórios.”

Nascido em São Paulo em 7 de junho de 1957, primogênito do casal Octavio e Dagmar Frias de Oliveira (1925-2008), Otavio Frias Filho bacharelou-se em direito na USP, onde também cursou pós-graduação em ciências sociais. Lançou os livros de ensaio “De Ponta Cabeça” (2000), “Queda Livre” (2003) e “Seleção Natural” (2009), entre outros.

Como dramaturgo, teve peças encenadas em São Paulo, entre elas “Típico Romântico”, “Rancor” e “Don Juan”. Uma versão teatral de “O Terceiro Sinal”, texto em que narra sua experiência como ator, esteve em cartaz no Teatro Oficina até maio, com a atriz Bete Coelho.

Nos últimos 11 meses, Otavio reduziu sua rotina de pautar e aprovar os editoriais diariamente e de participar de reuniões semanais com o comando da Redação, onde tomava as principais decisões.

Otavio deixa pronto um livro infantil, “A Vida é Sonho e Outras Histórias para Pensar”, e uma coletânea de artigos publicados nos últimos anos. Otavio deixa inacabado um livro em que pretendia traçar um quadro, entre ensaístico e biográfico, dos tempos e da vida de seu pai, entremeando-os com suas próprias experiências atuais.


23 comentários sobre “Edivaldo Boaventura e Otavio Frias Filho, homens de realização

  1. Desde que assisti uma palestra do professor Edvaldo Boaventura que me tornei fã dele. Uma pena que pessoas assim, incluindo o jornalista Otavio Frias Filho, se vão e deixam aqui gente que não colabora em nada para melhorar esse país.

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  2. Feliz de um país que produz mentes tão capacitadas. Infelizmente, o nosso país produz, mas não reconhece, nem reverencia suas grandes inteligências porque aqui tudo só gira em torno de uma política partidária de baixo nível. Por isso, parabéns ao blog por homenagear Edivaldo Boaventura e Otávio Frias Filho.

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  3. Merecida e honrada homenagem a esses dois homens que conseguiram fazer coisas boas e praticar o bem nesse país estranho, onde a prioridade das pessoas é o que partido que “as representam”.

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  4. Um país que tem dois intelectuais tão importantes como Otávio Frias Filho e Edivaldo Boaventura não pode deixar queimar sua História, como aconteceu com o Museu Nacional.

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  5. Homens das letras, cada vez mais raros no Brasil violento e de discussões binárias: esquerda x direita; preto x branco; pobre x rico. Parabéns pela homenagem.

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  6. Conheci o professor Edivaldo. Grande intelectual. E acompanhei o trabalho do Sr. Otávio Frias Filho. Vão fazer falta nesse Brasil tão pobre de debate intelectual.

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  7. Parabéns pela homenagem.
    Os dois homenageados merecem todas as honras, nesse país em que os dois postulantes à Presidência da República que estão na frente nas pesquisas são os que são (um beligerante outro, simplesmente, ladrão) precisamos preservar, homenagear e divulgar aqueles que passaram a vida se dedicando à educação, à arte, tentando levar à população mais dignidade e respeito.

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  8. Grandes perdas, grandes vazios que não serão preenchidos. Mundo mais carente de pessoas boas e impares…

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  9. O Doutor Edivaldo, eis um homem de bem. Intelectual, generoso, deixou saudades também em Portugal.
    O intelectual Otavio merece também todas as homenagens por uma vida devotada a melhorar o jornalismo.

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  10. Uma singela homenagem aos dois intelectuais que contribuíram para melhorar o jornalismo, a educação, a arte. Muito bem!

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  11. Doutor Edivaldo, o conheci em Portugal. Homem das letras admirável. Merece todas as homenagens.
    Otavio Frias Filho, pela biografia e pelo que a Folha é hoje, também é merecedor de todas as lembranças.

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  12. Portugueses e brasileiros se irmanam nas homenagens ao Professor Edivaldo Boaventura.
    Nossas homenagens também ao Otavio Frias Filho, que tanto fez pela cultura e jornalismo no Brasil.

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  13. Todas homenagens que forem feitas ao Doutor Mestre Professor Edivaldo Boaventura serão poucas para o tanto que ele contribuiu nos campos da educação e da cultura.
    Rendo também minhas homenagens ao Otavio Frias Filho, acima de tudo um homem com pensamentos, ideias e atitudes democráticas.
    Parabéns pela postagem, senhor jornalista Brown.

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  14. Grande Bomfim. As homenagens são mais do que merecidas. O Brasil fica mais pobre, intelectualmente, com a morte dessas duas figuras distintas – e tão convergentes. Sepultá-los virtualmente com Vinícius e Pessoa foi uma boa ideia, para pacificar a travessia dos “desaparecidos” – e preencher de lirismo os que ficam. Abraço

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