Décio Pignatari

O poeta Décio Pignatari lança em São Paulo o livro infantil para adultos “Bili com Limão Verde na Mão”, em 2009; o poeta morreu neste domingo (2) – foto: Mastrangelo Reino – 06.mai.2009/Folhapress
Em 19 de julho de 2007 o blog publicou o poema O Lobisomem, de Décio Pignatari. Foi a forma de homenagem ao poeta concretista que o blogueiro encontrou. Estudioso da semiótica, Décio Pignatari foi importante para curiosos de várias gerações que se arriscaram nesse tipo de estudo. Vários pretensos poemas foram feitos a partir de O Lobisomem, inclusive pelo autor desse blog. As variações flertavam com a infinitude das probabilidades. Um exercício eterno.
O poeta, ensaísta e tradutor Décio Pignatari morreu na manhã deste domingo (2 de dezembro), aos 85 anos, em São Paulo. Internado no Hospital Universitário da USP desde a sexta (30 de novembro), ele teve insuficiência respiratória e pneumonia aspirativa (infecção pulmonar).
Pignatari foi um dos principais nomes da poesia concreta, ao lado dos irmãos Haroldo (1929-2003) e Augusto de Campos, 81 –com quem editou a revista “Noigandres”, no anos 1950. Também com os irmãos Campos publicou “Teoria da Poesia Concreta”, em 1965, “Mallarmagem”, em 1971, e “Ezra Pound – Poesia”, em 1983, entre outros.
Décio Pignatari: Kierkegaard em Dogville
“No Brasil, foge-se como o diabo da cruz dos juízos de valor”, disse Pignatari
Leia mais na reportagem da Folha de SP
O Lobisomem
O amor é para mim um Iroquês
De cor amarela e feroz catadura
Que vem sempre a galope, montado
Numa égua chamada Tristeza.
Ai, Tristeza tem cascos de ferro
E as esporas de estranho metal
Cor de vinho, de sangue, e de morte,
Um metal parecido com ciúme.
(O Iroquês sabe há muito o caminho e o lugar
Onde estou à mercê:
É uma estrada asfaltada, tão solitária quanto escura,
Passando por entre uns arvoredos colossais
Que abrem lá em cima suas enormes bocas de silêncio e solidão).
Outro dia eu senti um ladrido
De concreto batendo nos cascos:
Era o meu Iroquês que chegava
No seu gesto de anti-Quixote.
Vinha grande, vestido de nada
Me empolgou corações e cabelos
Estreitou as artérias nas mãos
E arrancou minha pele sem sangue
E partiu encoberto com ela
Atirando-me os poros na cara.
E eu parti travestido de Dor,
Dor roubada da placa da rua
Ululando que o vento parasse
De açoitar minha pele de nervos.
Veio o frio com olhos de brasa
Jogou olhos em todo o meu corpo;
Encontrei uma moça na rua,
Implorei que me desse sua pele
E ela disse, chorando de mágua,
Que era mãe, tinha seios repletos
E a filhinha não gosta de nervos;
Encontrei um mendigo na rua
Moribundo de fome e de frio:
“Dá-me a pele, mendigo inocente,
Antes que Ela te venha buscar.”
Respondeu carregado por Ela:
“Me devolves no Juízo Final?”
Encontrei um cachorro na rua:
“Ó cachorro, me cedes tua pele?”
E ele, ingênuo, deixando a cadela
Arrancou a epiderme com sangue
Toda quente de pêlos malhados
E se foi para os campos da lua
Desvestido da própria nudez
Implorando a epiderme da lua.
Fui então fantasiado a travesti
Arrojado na escala do mundo
E não houve lugar para mim.
Não sou cão, não sou gente – sou Eu.
Iroquês, Iroquês, que fizeste?

8 comentários sobre “Décio Pignatari

  1. Pingback: Wilson
  2. Grande intelectual, Décio Pignatari deixou muitas lições. Quem sabe, um dia um número maior de pessoas não consiga ver essas lições? Espero que sim.

    Curtir

  3. A História ainda não registrou devidamente a importância de Décio Pignatari e dos irmãos Campos para a literatura mundial, mas este dia ainda chegará. Parabéns pelo blog!

    Curtir

  4. Para quem quis avançar um pouco mais no conhecimento do idioma português e dos sinais que nos dão a literatura, Décio Pignatari é fundamental.

    Curtir

Deixe um comentário