O que tem a ver japoneses furar filas, Transcon e demolição de barracas?

Japoneses já furam filas.
Transcon e demolição de barracas.
Tudo a ver.
Pouco antes da final da Copa do Mundo na África, Tostão – o grande atacante que brilhou na Copa de 70 e hoje é colunista de vários jornais, além de médico psiquiatra – escreveu que “a maior prova de que o mundo está igual foi ver, aqui na Cidade do Cabo, alguns jovens japoneses furando fila. Perdi as ilusões. O mundo está perdido”.

Tostão está tão certo. Como não pensar assim vendo outrora disciplinadíssimos japoneses se igualando a todos nos quesitos educação, respeito e ética.
Como não pensar que essa civilização foi pro vinagre depois do episódio das barracas de praia em Salvador?
Nas duas últimas semanas Salvador foi sacudida com o escândalo das Transcon (Transferência do Direito de Construir) e o povo teve que se habituar logo com as novas denominações. Todas sinônimo de máfia. Em bom português o que ficou claro é que por trás das mentiras dos que representam a administração municipal estava mesmo o acerto costurado quando da aprovação do PDDU para lotear a Soterópolis.

Nesse loteamento as praias são fundamentais. Como valorizar espigões luxuosos com as barracas que há dezenas de anos compõem a cena social e a cultura soteropolitana? Só tirando-as de lá. E nada como contar com o braço amigo da lei. E assim foi feito. De última hora, alguns gênios da administração municipal e do Judiciário resolveram incluir Ipitanga no bolo. Ora, mas essa área não é do município de Lauro de Freitas? Sim, respondem os gênios, mas até hoje não ficou claro se é de Salvador ou do município vizinho as áreas do aeroporto e das praias de Ipitanga. Nesse caso, levaram uma goleada, veja a resistência vitoriosa no Pilha Pura.
O caso ficou tão nebuloso que o prefeito João Henrique anunciou depois das denúncias da ex-secretária Kátia Carmelo que as Transcon estão suspensas.
Mas voltando a Tostão, como não se decepcionar com a reportagem exibida no Jornal da Manhã desta terça-feira (24 de agosto)? Levaram o Cláudio Silva, dirigente-mor da Sucom (órgão que concede os alvarás de construção e o sinal verde para a empreiteirada passar de roldão seus projetos) para o estúdio e só fizeram levantar a bola para o superintendente exercitar sua retórica.
Sucom destrói 102 barracas no primeiro dia de demolições na Orla de Salvador
Jornal da Manhã – 1º bloco (24.08)
Na praia de Patamares, o advogado dos barraqueiros, João Maia Filho, fazia um esforço enorme para tentar convencer o repórter de que Transcon e demolição das barracas têm tudo a ver; que foi a Prefeitura de Salvador mesmo a responsável pelo pedido da demolição; que a Sesp elaborou a lista das barracas a serem demolidas; que o procurador-geral do Município não tomou as medidas jurídicas para garantir os direitos dos barraqueiros; que ele, João Maia Filho, e outros advogados, já entraram no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) com pedido de suspeição contra o juiz que deu a ordem judicial para derrubar as barracas por causa de várias atitudes, no mínimo esquisitas, do magistrado.
Só que o repórter não dava ouvidos ao advogado. Pelo contrário, repetia que era preciso “voltar ao foco da notícia”. Mas o foco, queria dizer João Maia Filho, era exatamente esse. E o repórter perdeu a chance de fazer uma grande reportagem. No estúdio, os apresentadores continuaram fazendo o jogo do titular da Sucom e também perderam a oportunidade de bem informarem ao público.
Jornal da Manhã – 2º bloco (24.08)
Ficou claro que a opção da emissora foi apostar no emocional. Mostrar os barraqueiros chorando, as barracas sendo destruídas – os agentes da Prefeitura destruíram até jangadas de alguns pescadores – e pais e mães de família reclamando que agora estariam sem verba nenhuma para sobreviver.
E assim, meu pessimismo em relação à civilização aumentou. O que fazer? Acreditar em políticos? Uma turma que cada vez mais visa apenas o poder e nada mais? Com seus auxiliares que desejam ser um dia o que são os seus tutores? E o povo servindo apenas para legitimar o “sistema democrático” com suas eleições dirigidas por institutos de pesquisas?

11 comentários sobre “O que tem a ver japoneses furar filas, Transcon e demolição de barracas?

  1. Pingback: o flamboyant
  2. O episódio da demolição de barracas na orla de Salvador me faz lembrar do seguinte bordão: “pense num absurdo? Na Bahia tem precedente.” A frase, célebre, é do ex-governador da Bahia, Otávio Mangabeira. Ademais, o episódio exemplifica o porquê de o Tribunal de Justiça Baiano ser motivo de chacota, a ponto de o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, ter declarado em público que “para a justiça baiana piorar, teria que melhorar muito”. Quanto aos poderes Executivo e Legislativo, municipal e estadual, não há nenhuma surpresa. Nossos líderes são a nossa escória, pequenos burgueses da nossa sociedade ou emergentes corrompidos ao longo de sua trajetória. Só nos resta a utopia. Essa, creio, eles não conseguirão nos tirar.

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  3. Pingback: Anônimo
  4. Demorou para perder a ilusão.Já perdi há muito tempo, amigo Bomfa. Tanto que já tenho epitáfio – espero que daqui a 30 anos: A HUMANIDADE FALIU.

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  5. Tem outras coisitas mais que não entendo.
    Esse negócio de dizer que a Justiça vai aprovar projeto de barraca é uma mentira estúpida, porque a competência dessa aprovação é exclusivamente do município e ninguém mais.
    Uma outra é dizer que não pode construir na área de praia, ou seja a área de marinha, que vai a 33 metros depois da maior preamar.
    Pode sim, e no país inteiro há milhões e milhões e milhões de construções nessas áreas que pagam fóro a União.
    Como ficaria o Clube Espanhol, os hotéis de Ondina, e vai e vai. Seria apenas as barracas que estariam construídas nessa chamada faixa de marinha? E as mansões, as casas de veraneio, toda a Ribeira, Bogari… e etc etc. etc???…

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  6. Seria interessante se a população brasileira retribuísse todos esses feitos, praticados por alguns políticos, na hora de votar. A missão é difícil, mas somos brasileiros e não desistimos nunca.

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  7. Muito bom o levantamento.
    A derrubada das barracas de praia passa a integrar o rol dos “absurdos baianos”.
    Pelo menos em termos de um mínimo planejamento da ação e suas consequências sociais e econômicas. Em todo esse episódio quem tem se esquivado é a SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DA BAHIA (SPU/BA. A vinculação com a comercialização das Transcon passa ao largo nas coberturas de nossos muito bem preparados repórteres e apresentadores de jornalismo nas tevês.

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  8. O ‘x’ da questão é exatamente este e começou com a aprovação do novo PDDU. Tudo foi urdido e/ou loteado a partir dali. Já reparou que todos os “meios de comunicação” foram a favor da demolição das barracas e não defendiam um plano de requalificação, como foi feito no Imbuí, antes da derrubada? Nosso amigo Juvená sentiu o baque e está internado, alem de muitas outras vidas que estão adoeçendo e não vai demorar a ter mortes. Derrubem-se os pardieiros e os escombros, mas oferereça-se rede nova pra pescar e sobreviver. O lazer dos baianos e turistas em Salvador era a praia, regada com uma gelada, carangueijo e outros quitutes. Com barracas limpas, ordenadas e com estrutura adequada todos seríamos felizes, voce não acha?
    Não mais poderemos ‘passar a tarde em Itapuã’ porque o que arde agora não é o sol, como disse o poeta, mas as barracas e as vidas das inúmeras famílias que viviam disto. O que vai arder no juízo destes gênios serão os arrastões e assaltos que já começaram ontem à tarde em Itapuã.
    Mas estas notícias não vão ser publicadas agora…
    “Não são o foco.”

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  9. Pois é… as eleições para prefeito vem aí… esse é o prefeito que o povo escolheu. Um incompetente, que está aí destruindo a nossa cidade!Ele deveria ser expulso da prefeitura. Abaixo e FORA João Henrique.

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  10. Mas somos arrogantes demais pra enxergar o que está embaixo do nosso nariz. Falar nisso, acho que perdemos até o olfato.

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